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Sobre relacionamentos e panelas

Então, aconteceu que um dia a Laura Henriques, que era uma bonitona encalhada, desencalhou. Mas ela continuou falando as coisas de bonitona de sempre. E, numa dessas, ela me disse – na verdade, ela escreveu no blog, pra todo mundo, mas às vezes a gente acha que estão dizendo pra nós, assim, cara a cara, não é? – que relacionamentos e panelas de pressão guardam a nostalgia de quando eram consertados, ao invés de descartados.

 

Relembrando antigos hits belorizontinos, de lojas que faziam comerciais com Marias e Manueis saindo de panelas, além, é claro, de consertarem panelas de pressão, Laura descobriu (coisas de gente que recém-desencalhou) que ninguém mais conserta esse precioso e perigoso item da cozinha. Hoje é mais fácil, prático, talvez até mais barato, jogar fora a antiga e comprar uma nova. E seguimos fazendo isso, com máquinas de lavar, geladeiras e panelas, roupas, sapatos, móveis, carros, pessoas. A mesma espécie de relacionamento fugaz e superficial que temos com nossas panelas de pressão também podemos ter com pessoas em nossas vidas.

 

 

O que nos faz consertar uma panela, uma geladeira, uma roupa? Quanto custa esse esforço? Vale a pena? E quanto nos custa consertar um relacionamento? Quanto vale remendar, trocar pequenas e fundamentais peças, dar novo polimento, ou simplesmente aceitar aqueles puídos, arranhões e desbotamentos como parte vital do processo de amadurecimento das coisas vivas e eternamente em mutação, deterioração e renovação? Talvez seja nestas pequenas imperfeições que o tempo trouxe que resida a maior graça do estar junto, do manter, do entender a história viva.

 

E então eu ia refletindo isso tudo e algumas coisas a mais na mesa de almoço dos meus avós, onde papos profundos e superficiais ganham igualmente ares de história vivida e sempre novos contornos dramáticos, nas vozes, comentários e recordações de Dona Dalva e Doutor Júlio. Foi quando, no meio da minha divagação sobre o paralelo sutil entre relacionamentos e panelas e suas variações de tempo, necessidade e pressão, eu percebi que o rosto de vovó ia ganhando um tom enigmático, de quem tem uma pérola de sabedoria para dizer. Algo que eu, na minha ínfima idade e experiência, se comparada a eles, custaria alguns anos para entender.

 

–       Mas, existe um segredo sobre panelas de pressão, Luísa, que é saber comprar. Eu por exemplo, estou adorando uma panela de pressão que comprei, e custou caro, viu? Lá na Tool Box, do shopping. A marca é alemã, muito boa, vale a pena. Não estraga não. Porque, realmente, essas panelas que a gente acha vendendo na rua, não serve pra nada, só para jogar fora. É perigoso, sabe?

 

Eu sabia sim… E sorri para os meus avós, carinhosamente, achando uma graça incrível de como, de tudo que eu falei ali, vovó Dalva só pescou a parte das panelas de pressão que não se consertam mais. E depois de abusar das sobremesas deliciosamente mineiras que eu só me permito ali, na mesa de almoço de meus avós, voltei para o trabalho com outras coisas importantes na cabeça para resolver.

 

Foi só depois que eu me toquei. Quem não pescou a pérola de sabedoria – bem escondida dentro da sua concha, diga-se de passagem – fui eu. Ali, naquele adorável casal bem na minha frente, estava o maior exemplo de como importa sim que se compre uma panela boa. Porque se fosse qualquer uma, comprada nas ruas do centro, sem valia e serventia, não estava durando 60 anos.

 

Dona Dalva, na verdade, não falava só de panelas caras de shopping ou de baratas de camelô. Sutilmente, ela estava me mostrando, no mesmo paralelo entre panelas e relacionamentos, que o que importa na decisão de consertar algo ou não é a qualidade do material original.

 

Encontrou o amor da sua vida numa esquina de camelô? Desconfie. Talvez, na hora que ele não aguentar mais a pressão de tamanha nomenclatura, vá pifar. E realmente não tem conserto, é jogar fora e partir pra outra. Mas, aí, o segredo é bater perna. As melhores marcas, as que realmente valem a pena, a história e qualquer nomeação que você queira dar, não estão por aí, anunciadas com os melhores preços da vitrine. Custam caro. E, o mais importante, não dão garantia nenhuma de que nunca vão soltar a borrachinha da pressão, nem arranhar, ou desbotar.

 

Mas relacionar-se, com panelas ou com pessoas, é isso. Investir, avaliar, consertar o que o desgaste do tempo causou, remodelar e, especialmente, amar cada detalhe que só sua panela tem, desde a cor e o brilho dela novinha até o arranhão na lateral de quando você deixou cair, aquela mancha de queimado, o cabo que derreteu um pouquinho na hora que ela, pela primeira vez, explodiu. Sem nunca esquecer do sabor da comida que ela faz.

julho 28, 2011 at 4:06 pm 7 comentários


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